sábado, 2 de maio de 2015

CARTA DE DESPEDIDA


Foi difícil tomar a decisão de escrever esta carta, mas não vejo outra alternativa. Cansei de esperar por atitudes que justificassem minha permanência. Coloquei-me em seu lugar para enxergar a vida como você e tentar compreender a direção que você seguia. E, por anos, muitos anos, fui compreensiva e sempre estive ao seu lado; apoiando-te, dando força nos momentos mais  desesperançosos, quando o medo e a fraqueza tomavam conta de seu ser, eu estava lá, ao seu lado, sempre!

Sim, há boas recordações, não posso negar. Os sorrisos sinceros, a ajuda despretensiosa, o cooperativismo, o exercício da cidadania, a perseverança em acreditar quando tudo parecia não dar certo, a mão estendida a quem precisava... Tudo isso me faz sentir muito orgulho de você. Mas procuro-te e não te encontro mais. Tenho te observado atentamente e você só pensa em si mesmo, os sorrisos escondem um sarcasmo afiado, pronto para ferir, seja quem for, apenas pelo simples prazer de machucar os outros.

Hoje, as aparências valem mais que o caráter, e seu círculo de amigos, se é que eu posso chamá-los de amigos, se encontram desde que possam ter alguma vantagem. Não existe mais o pensamento coletivo. O “eu” é o centro do seu universo. Sinto-me excluída da sua vida e não vejo mais sentido em fazer parte dela. Não penso como você, minhas prioridades são outras. Ao seu redor só vejo escuridão e eu quero a luz. Quero iluminar seu caminho, mas você escolheu uma estrada pela qual não quero trilhar...

É muito difícil dizer essas palavras e desistir de você depois de tantos anos juntos. Mas o vazio está por toda parte, consumiu todos os valores que criamos juntos e eram tão sólidos. Foram esmagados pelas mentiras, pelas falcatruas, pelos golpes que você se dispõe a cometer sem pensar nas consequências e quando eu te questiono, você solta aquela gargalhada sarcástica e em tom de deboche diz:

- Não preciso de seus conselhos, de seu apoio, nada dará errado. Aqui o errado é o certo. Pessoas como você (no caso eu), só se dão mal na vida. Eu estou no topo. Se quiser ficar comigo, terá que me aceitar. – Tentei fazer você enxergar a vida de outra forma. Mas estou cansada. Não há mais perspectiva...

Quando tudo ruir, talvez você se lembre de mim. Mas será tarde demais. Aliás, já é tarde demais. Para mim, não dá mais.

Adeus!

Assinado,
Esperança.


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8 comentários:

  1. Um dia eu fui Esperança...Que lindo, que verdadeiro, que sério...amei!

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  2. Uma belíssima prosa poética. Abraço, cara poetisa, JG

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  3. Uma carta em forma de poema! Às vezes acontecem coisas assim na vida das pessoas. Graça e paz! Feliz semana,Dilma.

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  4. 'Um texto maravilhso, com palavras sensíveis. Parabéns cara Marcela. Abs Chris'

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  5. Profunda! Sensível! Sincera! Uma carta escrita com tintas do coração...onde cada palavra foi regada talvez com alguma lágrima que não se segurava...e caia! Um abraço!

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  6. Olha... eu poderia ter escrito esta carta para duas pessoas que conheço bem e com quem convivi nesses cinquenta anos de vida - ou melhor, 48, pois nos últimos 2, eu me retirei.

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  7. Levi Wood has said it perfectly. Nothing better.

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